I
Arrumo os meus cabelos
Amarro meus sujos cadarços
O dia já estar para nascer
Para a rua preciso correr
E enfrentar os balaços.
II
Tenho que sair agora
Sem saber se volto ao anoitecer
“trabalho” na rua sem esperança
Meu frágil organismo de criança
Necessita de algo para comer.
III
Se eu na sair neste minuto
Irei ver minha irmã chorar com fome
Minha mãe sem nada para cozinhar
No lixão é onde vou trabalhar
E escrever todos os dias meu nome.
IV
Hoje faz frio e começou a chover
Tenho que ir mesmo sem agasalho
Ancorando em bocas de fumo
Vendendo drogas para o consumo
Daqueles que apostam nas cartas de baralho.
V
Tenho que enfrentar a lama da rua
Passar rapidamente pelo matagal
Sem tempo para brincar de bola
Só me oferecem cocaína, maconha e cola
Sou apontado por todos como marginal.
VI
O mais doce sonho quando consigo dormir
Sempre brincando em um lar de verdade
Mesa farta, família unida e feliz
Estudando sem drogas, policia ou juiz
Ao acordar, choro com a dura realidade.
VII
Já perdi muito tempo, preciso mesmo ir
Em busca de alguma solução
Percorrer lixões, avenidas e favelas
Entrincheirado em várias vielas
Por causa de um pedaço de pão.
VIII
Não há outro jeito, agora eu vou
Para o meu destino de cada manhã
Deixando para traz meu humilde lar
Minha mãe soluçando a chorar
E o sorriso da minha pequena irmã.
IX
Já estou na rua misturado a multidão
Encontrando tantos iguais a mim
Uns descalços, de costas nuas
Outros ainda dormindo nas ruas
Ou no banco de algum jardim.
X
Tantos artistas do futuro perdidos
Na máquina da esfera da administração
Massacrados por uma sociedade
Que auto denomina-se ter capacidade
De guiar os destinos de uma nação.
XI
Nesta selva de animais “racionais”
Vejo cenas que envergonham o Brasil
Policiais atirando sem causa ou razão
Bandidos matando gente sem perdão
Políticos patrocinando a prostituição infantil.
XII
Como o vento ou um barco a vela
Que nos levam pelo mar sem fim
Assim são os edifícios, lojas e restaurantes
Mansões, hotéis e motéis para os amantes
Proibida a entrada de pessoas iguais a mim.
XIII
Parada obrigatória nos service-selfs
Luto por algumas poucas migalhas
Peço uma moeda pra quem passa
Pedaços de carne, legumes e massa
Não me doam, jogam direto nas calhas.
XIV
Peço paz ao mundo inteiro
E sei que existe no céu um Jesus
Que foi assim como eu
Pouco teve, muito sofreu
E acabou morto em uma cruz.
XV
Esta é a minha conturbada rotina
Ferido como um pássaro sem asa
Vivendo toda manhã uma despedida
Debruçado nas janelas da vida
Feliz quando a noite chego em casa.
(Antonio dos Anjos – Viola, 18/02/2007)
sexta-feira, 10 de abril de 2009
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